Livro - Retalhos de uma vida - Lançamento
Retalhos de uma vida, conta testemunhos de guerra, sexo e relações interpessoais, analisadas segundo a perspectiva do autor - João António Fernandes - psicanalista Freudiano, que as vivenciou.
O autor optou por uma escrita simples, que possa levar a maioria das pessoas a entender a idéia Freudiana.
http://www.bookess.com/read/7054-livro-retalhos-de-uma-vida-/ ISBN - 978-85-8045-076-7
terça-feira, 6 de agosto de 2013
Vontade e inconsciente
Uma impossibilidade é sempre a abertura de uma brecha, em que novas oportunidades podem surgir mesmo que o sujeito não as possa observar nem perceber que elas possam existir, porque ocultas não se dão a conhecer.
De inicio a aceitamos como desafio, nos rebelamos contra ela, mas de seguida podemos ficar passivos, embora a aceitando, parece existir um desejo de a qualquer momento transformar essa impossibilidade em possibilidade.
Porém, não raro assistimos ao afrontamento compulsivo de tentar transformar essa impossibilidade numa possibilidade, como se estivéssemos batendo com a cabeça no muro das lamentações sem resultados práticos.
Existem de fato outras possibilidades mas não as que decorrem de um impossibilidade, em que flanquear o inimigo será sempre melhor que o enfrentar quando somos mais fracos, mas que exige uma mudança de direção embora o objetivo possa ser o mesmo.
Sabemos bem, que agarrados a uma forma de estar na vida, tentamos recusar outro modo de entender as coisas, relacionar com as pessoas e o mundo á nossa volta, como se fosse essa a única maneira de o fazer.
De entre milhares de pessoas escolhemos uma para nos relacionar, nos apegamos como se fosse a única criatura ao cimo da terra, como Adão e Eva. Esse elo, pura energia, que designamos por afeto, ou amor, que une as pessoas, por vezes é tão grudento, que o indivíduo prefere morrer do que desprender-se de tal obsessão.
Desapegado à força do ventre materno, a criança desce a este mundo desconhecido para ela, para de imediato se prender ao leite materno e ao corpo da mãe, que mais tarde não deseja perder, pelo que a mãe deve desempenhar o papel de seguir a própria natureza deixando livre a criança para começar a ter novas experiências, o que nem sempre acontece.
O desapego ao ventre materno, o desamparo, provoca em simultâneo a procura do amparo, que mais tarde perante a morte só a terá através da visibilidade ilusória de algo que se encontra para além dela.
O que antes era real, a mãe e o pai, já não existe mais, pelo que deverá imaginar uma outra figura que possa desempenhar o papel do amparo, e essa sensação será mais intensa, quanto mais for sentido o amparo, ou encontrar-se desamparada.
Acreditamos que o amparo e o desamparo sentidos, de forma mais ou menos intensa, pouco terá de relação com a velha teoria de precisarmos uns dos outros, mas antes de não ser permitido uma dose de autonomia bastante para não necessitarmos de bengalas.
Porque elas já não existem mais, a sensação de desamparo tende a evidenciar-se.
É a partir desta sensação de desamparo que o indivíduo procura algo, ou alguma coisa para recuperar a sensação de amparo, e será a partir desse momento que as experiências acontecem, que podem colidir, ou não, com o princípio de satisfação e prazer.
A impossibilidade de viver um grande amor devido a uma ruptura, cria a possibilidade da procura na pessoa de outro, como a tentativa de o substituir nessa missão de sentir o amparo anterior, em que percebemos a dependência relativamente a pessoas e coisas, que sem elas parece ser impossível viver.
Dizemos que são pessoas frágeis e sensíveis a rupturas, a frustrações, mas nos esquecemos, que alguém nos fez frágeis, por nos tornar dependentes, negando o caminho de outras experiências de forma autônoma.
A vida, em sua natureza é um constante apego \ desapego, basta reconhecer que do ventre materno a criança passa para o exterior, cuja única ligação com o corpo da mãe, é seu leite jorrado de seu corpo, em que sente o calor e o aconchego, mas de uma outra forma.
Segue-se a libertação da intimidade do corpo da criança com a mãe, que retirada do peito senta-se à mesa para comer, num rumo natural até que consiga ter uma vida autônoma constituindo-se seu próprio lar.
Quando interrompida esta forma natural, o adulto, embora o seja no corpo, não o será na alma, porquanto apresenta grandes dificuldades em se apresentar sozinho perante a vida, mesmo acompanhado que esteja, em que qualquer frustração o pode derrubar.
A nossa formação infantil que deveria seguir o rumo da própria natureza, tende a seguir modelos artificiais urdidos pela própria sociedade, em que os conceitos de estética parecem tomar a dianteira.
Entre o apego e desapego encontra-se pelo meio uma mãe em primeiro lugar, e o pai de seguida, que desempenham um papel importante na tentativa de equilíbrio dessas duas sensações, que embora possam subsistir sempre serão sentidas de forma menos intensa, através do campo das experiências adquiridas como alternativa.
Sem esse caminho alternativo empurrado pelos pais para que a criança possa ser autônoma, terá grandes dificuldades em o percorrer, porque nunca lhe fora dado a conhecer, daí a resistência, por isso não o reconhece como válido, nem sabe como fazer.
O perverso sabe bem o caminho alternativo, o neurótico não, em virtude de seu sistema psíquico estar invadido por duas leis distintas acerca da mesma coisa, ou assunto, ele se torna, por isso, dissimulado por medo da punição, mas transgressor quando pressente que não possa ser apanhado.
No neurótico prevalece a ideia da transgressão, como desejo por realizar, mas, na maioria das vezes, realiza os desejos do outro, tornando-se num falso ativo, que damos conta de sua reclamação mas não da atividade que possa levar à realização de seus desejos.
A semelhança entre perversão e neurose será a existência de dois desejos, com a diferença que na perversão lhe foi permitido transgredir em determinadas condições, que a este lhe foi sempre negado, o que nos remete ao problema da formação infantil.
Devo acrescentar que não estamos objetivamente perante a problemática da repressão, mas sim da não permissão, no que se refere ao indivíduo perverso, o que parece configurar um dado novo quanto ao entendimento que devemos ter desse processo formativo, que não conduz necessariamente à repressão.
Assim, o que depende da vontade de um corpo nele se encontra virgem, decerto sujeito a outras vontades que lhe são alheias, tende a incorporar como processo secundário, em que o grau de valorização depende do processo formativo, pelo que aquilo que era inconsciente se tornou em consciência (sentido) do próprio corpo.
De que vontade desejamos falar ?
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