Livro - Retalhos de uma vida - Lançamento Retalhos de uma vida, conta testemunhos de guerra, sexo e relações interpessoais, analisadas segundo a perspectiva do autor - João António Fernandes - psicanalista Freudiano, que as vivenciou. O autor optou por uma escrita simples, que possa levar a maioria das pessoas a entender a idéia Freudiana. http://www.bookess.com/read/7054-livro-retalhos-de-uma-vida-/ ISBN - 978-85-8045-076-7

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Pensamento e princípio de realidade

A capacidade de reconhecer, de amar e de temer a realidade desenvolve-se, em geral, antes da aprendizagem da fala; mas é esta última faculdade que inicia um passo decisivo á frente no desenvolvimento da capacidade de ajuizar a realidade. As palavras facultam uma comunicação mais precisa com os objetos e também permitem precisar mais a antecipação mediante atos experimentais; esta antecipação dos atos é que vem a transformar-se em pensamentos propriamente dito e que, afinal, consolida a consciência.
– Otto Fenichel – pág. 40 – Teoria psicanalítica das neuroses. Aqui é referida uma primeira capacidade de reconhecer, de amar e de temer a realidade, devida exclusivamente aos sentidos, que faz o corpo tomar sentido de uma realidade exterior, mediante determinada relação. Capacidade essa que qualquer ser vivo possui de acordo com as características de sua espécie, e limitações. Estaremos todos de acordo, que a tomada de sentido ainda não pode ser considerado pensamento, dado que observamos um registro psíquico derivado de um impacto entre dois corpos, que se cruzaram no caminho da vida. Mas será o inicio de uma certa forma de pensar, dado que, mediante uma relação coloca-se como fundamental o ser afetado, o afeto como satisfação das necessidades do ser vivo, e a indiferença em relação aos demais objetos, que não interferem com tal relação. De cada experiência emerge um sentido, pelo que este processo primário será observado durante todo o percurso de vida do ser vivo, de cujas relações diferenciadas tendem a evidenciar-se uma diversidade de sentidos. Somos levados, por isso, a considerar, que o conhecimento é processado de acordo com a diversidade de relações, das quais o ser vivo extrai um sentido, um tipo de informação adquirida, que lhe permite perceber e escolher o tipo de relação, a rejeitar, ou simplesmente manter-se indiferente. Ao adquirir sentido acerca dos objetos exteriores, a primeira ação desenvolvida pelo o corpo na sua relação exterior, será reativa. Ação / reação não carecem de formas pensadas, embora possamos perceber nessa atitude um pensamento rudimentar, que apresenta uma resposta imediata, mecânica, ou funcional, como sendo o inicio de um pensamento mais evoluído. Podemos perceber, que esse modo reativo aparece em função da afetação, proveniente de uma insatisfação sentida no corpo, tanto exterior como interior, que funciona para o indivíduo como o não desejo. A partir de uma primeira relação objetal é processada a diferenciação entre objetos, que possam satisfazer o indivíduo, e aqueles que o possam levar a criar a noção da afetação, entendido como o não desejo. Em que condições será possível criar no indivíduo a noção de afetação ?
Não utilizo a palavra desafeto, dado que ela implica falta de afeto, mas não indica que o ser vivo possa ser afetado, emergindo por isso a indiferença, em que podemos notar a ausência de investimento de energia dirigida a determinado objeto. Freud emprega a palavra acatexia, como retirada de investimento de energia em relação a determinado objeto exterior, o que é coisa diferente. Tal diferenciação baseia-se no fato, de que no desafeto desde inicio não existe qualquer investimento de energia dirigido a um objeto determinado, sendo indiferente ao ser vivo, que no caso da acatexia esse investimento existiu, e foi posteriormente retirado Sendo assim, em que condições, ou mediante que relação pode o ser vivo sentir-se afetado ? O indivíduo só se sente afetado, quando algo, ou alguém provocar nele a dor e o sofrimento, o que coloca, segundo uma outra visão, o sentimento de abandono, que parece manter alguma relação com a indiferença. Indiferença perante as necessidades de uma criança de tenra idade, deve ser considerado falta de afeto, dado que ela não tem condição alguma em satisfazer-se de modo próprio, necessitando por isso de ser ajudada, amparada nesse sentido. Como a criança percebe, e entende estar desamparada ? Decerto, que não será em relação a seus desejos ideativos, porque ainda não os possui, mas apenas em relação ás suas necessidades básicas. Existindo a falta de alimentos, por exemplo, para sustentar a criança, mas tendo o carinho e o consolo da mãe, como a criança entende as coisas ? Ela sente-se desamparada perante a ausência de um alimento, que de acordo com o organismo, o que emerge será a idéia da preservação, geradora de uma impotência sentida em si, por não conseguir procurar os meios para sua própria satisfação. Quando isto acontece, decerto terá conseqüências futuras quanto ao modo de encarar a escassez, podendo funcionar como trauma. Se estamos de acordo em considerar um estado de onipotência primária, que possui algo de mágico, que ao agitar-se, chorar e espernear, faz aparecer o objeto de sua satisfação, perante a sua ausência, tal mágica e onipotência deixará de fazer-se sentir, emergindo uma preocupação quanto á sua própria sobrevivência, e o medo da morte surge no horizonte. O carinho, afeto e proteção de mãe, decerto com alguma aflição e choro á mistura, dor e sofrimento quanto baste, faz sentir á criança, que não será por ela que suas necessidades não são satisfeitas, mas sim por alguma coisa, que não sabe definir. A criança recém nascida comporta-se como um organismo genético / biológico virgem, em que só o impacto através de uma relação irá formar vínculos psíquicos do indivíduo com os objetos exteriores, pelo que só a afetação será capaz de provocar alterações metabólicas. Somos levados a considerar, que quanto maior for o desamparo mais intensamente será sentida a falta de afeto, e que quando ele existe, o desamparo só é percebido em relação aos objetos de sua necessidade, que não são encontrados para que possam satisfazer o indivíduo. A quem será dirigida a culpa parece ser determinante. Entenda-se a culpa, como aquilo que é sentido no corpo, e percebido pelo o indivíduo como a causa da sua dor e sofrimento. Só que no caso da inexistência dos objetos exteriores que o possam satisfazer, a culpa fica esvaziada de sentido, sendo transferida tantas vezes para o além, como além existisse alguém que o pudesse privar do alimento, da saúde, e da sua própria vida. De fato a natureza em determinadas circunstancias pode privar o ser vivo do alimento, da saúde, e até o eliminar do planeta dos vivos. Schilder mostrou que toda idéia singular antes de formular-se terá passado por um estado não verbal anterior – pág.41 Otto Fenichell Certo é que já existia uma consciência sem palavras, possível de observar posteriormente em estados regressivos sob a forma de ¨pensamento fantástico preconsciente¨ Ligar palavras e idéias possibilita o pensamento propriamente dito. Schilder nos vem dizer, que toda a idéia é proveniente de um sentido adquirido na relação com os objetos exteriores e o mundo, como sendo a fase primária, que pode conduzir o ser humano á fala e ao desenvolvimento das idéias, pelo que devemos considerar, que será a partir de um sentido adquirido, que o ser vivo incorpora uma determinada idéia acerca dos objetos. Será uma idéia simples, dado que deriva de uma ação / reação, mas será a partir de uma diversidade de sentidos adquiridos posteriormente, e da possibilidade de associação entre eles, que surge uma outra idéia, como síntese de uma complexidade de imagens e idéias. Podemos perceber nisso o desenvolvimento do pensamento, como derivado de uma certa forma de pensar adquirida através dos sentidos. Somos colocados perante a associação e comparação de sentidos produzidos por imagens de objetos exteriores animados e inanimados, que tendem a formar uma idéia, desta feita mais complexa, dada a existência de uma diversidade de sentidos. A questão da identificação está relacionada com a associação caracteriológica das diversas imagens e sentidos adquiridos, que é processada por semelhança. Desse modo somos levados a considerar, que a fase primária da existência de um ser vivo é processada através dos sentidos, existindo a diferenciação entre afeto e afetação, a que se seguem as imagens dos objetos exteriores, que se identificam com os sentidos, garantindo uma organização mental posterior em face da complexidade de sentidos e imagens, que designamos por pensamento.

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